domingo, 12 de agosto de 2012

UM HÁBITO NÃO É UMA NECESSIDADE!

Um hábito não é uma necessidade. Hoje faz 38 dias que eu não fumo. Às vezes, sinto uma puta falta, mas, na maior parte do tempo, eu estou ok. Simplesmente ok.

Não sofro, não agonizo como em outras tentativas frustradas.

Sinto falta dos meus pensamentos de nicotina e alcatrão que vinham tão facilmente entre um cigarro e outro, mas adoro sentir o cheiro do meu shampoo mesmo depois de ter lavado o cabelo há 12 horas.

Sinto falta da baforada redentora após o almoço, me salvando do banzo vespertino, e sinto falta de poder observar o movimento da fumaça após o sexo. Mas, em geral, eu tenho estado muito bem sem o cigarro nessa nova tentativa.

A diferença talvez esteja no fato de que eu já estou num processo de substituir hábitos. E fumar, pode crer, tem sido um dos mais fáceis de limar da minha vida.

Nesse meu processo de autoconhecimento, hábitos emocionais como pensamentos destrutivos, ações repetitivas e falta de cuidado e de autoproteção com a minha sanidade são muito mais difíceis de eliminar . Mas, de volta ao início, UM HÁBITO NÃO É UMA NECESSIDADE.

Fazer repetidas vezes uma coisa não a torna necessidade na sua vida; apenas a torna reconhecível. Aceitável.

E, é claro, a sensação de reconhecimento é agradável, aconchegante.

Até o final do ano passado ­- contra todos os prognósticos -, eu tinha uma rotina que havia se tornado um hábito. E parecia que essa rotina era tudo o que eu tinha.

Eu nunca me questionava se eu estava feliz ou se ela era boa pra mim. Eu simplesmente repetia exaustivamente as mesmas coisas, me agarrando a seguranças imaginárias.

Eu ficava perturbada a cada vez que eu era impedida de realizar "com louvor" a minha doce rotina.

Era como se eu desaprendesse a dirigir se meu carro não pudesse fazer aquele mesmo caminho. E se eu não fosse naquele supermercado eu nem queria mais comer. E não dormir naquela cama significava simplesmente não dormir. Era uma dor tão grande provocada pela ilusão de necessidade de coisas, pessoas e situações que eu mesma havia criado para mim através do hábito e da repetição.

Eu simplesmente havia confundido o prazer de DESFRUTAR com a estupidez de DEPENDER.

Depois, o tempo fez comigo o que ele sempre faz e tratou de me devolver a lente ajustada para que eu voltasse a enxergar as coisas em seu devido tamanho.

Eu me acalmei e experimentei novos caminhos, novos sabores, novos carinhos, novas possibilidades.

Estava muito claro pra mim: não significava que eu não sentia falta dos meus antigos hábitos, da minha antiga rotina, era apenas a constatação de que eu podia viver sem eles, porque mesmo que eles fossem ou tivessem sido muito importantes para mim, eles NÃO ERAM NECESSÁRIOS PARA QUE EU CONTINUASSE VIVENDO.

Depois, eu perdi deliberadamente muitos outros hábitos: acordar no mesmo horário, fazer o mesmo trabalho (que eu amava) todos os dias, frequentar os mesmos lugares, falar com as mesmas pessoas, até falar a mesma língua. De todos eles eu sinto falta. Muita. Mas a cada dia eu sinto essa verdade se internalizar pacificamente dentro de mim: UM HÁBITO NÃO É UMA NECESSIDADE.

Um hábito é só um hábito. E você pode abandoná-lo se ele não te fizer bem.

É difícil, mas é libertador. Especialmente em relação aos hábitos emocionais. É muito mais tranquilo pensar que uma coisa/pessoa/situação, por mais gostosa que seja, não vai te tornar dependente, porque, na realidade, você jamais poderá ser dependente do que lhe é externo.

Se por acaso uma repetição emocional cotidiana se tornar um hábito na sua vida você pode retroceder a qualquer tempo, porque, afinal, você NÃO É ESCRAVO DOS SEUS HÁBITOS.

Sendo assim, NÃO SEJA VÍTIMA DAS SUAS ESCOLHAS ANTERIORES.

Você é livre para escolher, desistir, escolher novamente, querer, desquerer, insistir, resistir.

O importante é perceber que por mais usuais que tenham sidos suas escolhas (por mais habitual que tenha sido sua rotina), você não precisa disso se não mais quiser. Você não depende disso pra seguir adiante.

Depois que eu entendi melhor esse mecanismo, me sinto mais livre pra gostar da minha rotina e das novas peças que eu encaixo nela; agora estou ciente de que eu não preciso experimentar uma terrível depressão caso algo aconteça fora do "combinado".

Entendi que se eu tiver que abandonar algum hábito - por necessidade ou imposição - isso não vai me mutilar nem me destruir, porque trata-se apenas de uma ação repetitiva cujo o valor é dado por mim. Somente por mim. Por mais gostosa que essa ação me pareça, eu já estava ali antes de ela começar. E eu posso continuar ali - e ir além - depois que ela for sumariamente retirada da minha vida. Por vontade própria ou não.

Não fumar tem sido "fichinha" perto da substituição dos hábitos emocionais, confesso. Mas eu estou tentando. É difícil pra cacete...

Mas, se o homem é mesmo um animal de hábitos, eu não desejo nada menos que me tornar senhora das minhas escolhas.

sábado, 4 de agosto de 2012

Eu sabia # 2012

Eu sabia que isso ia acontecer outra vez. Eu tinha certeza de que mais cedo ou mais tarde essa coisa acordaria dentro de mim, me fazendo repensar cada escolha feita nos últimos anos. Eu podia sentir o cheiro do medo que emanava da minha carne vacilante toda vez que eu realizava mecanicamente as mesmas coisas. Dentro de mim, um coelho de cartola com um relógio na mão gritava: VOCÊ ESTÁ ATRASADA!

Eu não podia dar mais nenhum passo sem arrastar uma corrente de duzentos quilos presa ao meu calcanhar, e a cada esquina dobrada aumentava em mim a certeza de ter me tornado forasteira em minha própria vida.

Eu procurava cumplicidade entre os meus amigos, mas, em geral, estávamos perdidos e sonolentos demais, incapazes de acariciar com as mãos, vigorosamente, um coração que não fosse o nosso. Então, eu tropeçava e via o filete de sangue escorrer pelo meu joelho, do mesmo jeito de quando eu era criança. O sangue ficava preto e depois endurecia. Às vezes, chegava a feder. Mas era preciso continuar. De alguma forma, era preciso continuar até que na pele não restasse nada além de pequenas casquinhas de sangue, vestígios de uma dor que não existia mais. Só que eu não podia ir além. Eu sabia que perder a esperança era o mesmo que perder a vida. E eu não tinha mais nada para esperar. Tudo estava devidamente consumado. Vasculhando minhas gavetas pessoais e fazendo minha contabilidade sentimental, constatava que para mim não havia restado quase nada.

Tudo bem. Vai ver que “nada” era exatamente o que eu merecia. Mas, não de mim. De mim, eu merecia uma segunda chance. Uma chance de gozar outra vez. De sentir entre as pernas esse membro grosso e fálico, num movimento gostoso de vai e vem, que é a vida; que é o tesão de viver administrado em doses cavalares de energia criativa, confiança e desejo mútuo.

Eu merecia encontrar uma pessoa, qualquer uma no mundo, que tivesse a sensibilidade e a coragem de me enxergar em mim novamente. De me ver aqui, como eu sou, sem a lente do tédio e do desinteresse.

Então, eu larguei essa porra toda pra trás outra vez, todas essas falsas seguranças disfarçadas de necessidade. Recolhi os 5 ml de coragem que pingaram gota a gota nos últimos anos e me piquei. Depois, as veias saltadas, revelando o efeito desejado e a certeza de que eu precisava partir.

Dessa vez, não houve nenhuma comoção interior nem a sensação de estar fazendo a coisa certa. Tudo bem. Quando você fica velho, você não precisa fazer a coisa certa. Você só precisa fazer alguma coisa.

Eu não sei o que vai acontecer. Eu não sei o que está acontecendo. Eu só sei que gozar é muito bom.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Eu sabia #2006

Eu sabia que isso ia acontecer. Eu tinha certeza de que um dia isso ia irremediavelmente acontecer; eu sabia que essa bomba ia estourar dentro de mim. Eu tava cansada de fazer as mesmas coisas. Não que eu não goste de rotina. Eu gosto pra caralho de rotina. Só que eu gosto da rotina que existe apenas nos meus planos.


E eu era uma garota de 22 anos fazendo MUITOS planos. Eu queria ver os índios. Eu queria molhar os pés nos rios. Eu queria tomar os cafés amargos e fumar os tabacos fortes. Eu queria ouvir a Rita Lee e os Mutantes, saber quem era o Sérgio Sampaio, ler o Neruda...


Eu queria conhecer os rituais xamânicos do Castañeda e invocar outros espíritos. Eu queria rezar para deuses de outras devoções e brincar de roda com eles. Eu queria tocar gaita “like a Bob Dylan” e ter uma voz rouca e matadoramente sensual como a da Janis Joplin.


Eu queria sentir o cheiro do sexo impregnado nos lençóis e a dor das paixões. No mínimo, eu desejava um romance estilo “Rimbaud e Verlaine”, “Sid e Nancy”, “Werther e Carlota”. Mas com final feliz, claro. (pausa para inflexão: não existe nenhum amor desse tipo com final feliz.)


Mas eu estava ali. E tudo o que eu tinha era uma mesa de 1m x 60cm e uma pilha de alguns quilos de papel para ler e revisar. Puta que o pariu. Eu tava fodida. Sem dinheiro, sem bufunfa, sem cascaio. Eu tava nua e com a mão no bolso.


Mas eu não podia continuar. Eu não podia sentar nem mais um dia naquela cadeira e fingir que o demônio não estava comprando a minha alma a preço de banana. Em relação aos meus sonhos, eu me sentia como Cronos, devorando e engolindo todos os meus filhos assim que eles nasciam. Eu precisava parar.


Então, naquele dia, eu reuni alguma coragem, essa característica que me falta ainda hoje para tudo na vida, e me alforriei. Pedi demissão. Eu tinha pouco, e daí? Mas eu ia correr mundo. Ia retirar a sela do cavalo bravo, obrigado a sentar com cauda e tudo naquela cadeira giratória fizesse sol ou fizesse chuva.


Não era nenhuma decisão importante para a humanidade. Não era sequer uma decisão importante para quem me conhecia, mas era o intervalo entre a sanidade e a loucura que eu tanto precisava. Era um pequeno comprimido de caos para quem havia feito tudo muito certinho até ali (segunda inflexão: não administre a primeira dose dessa droga perigosa. Depois dela, serão necessárias quantidades cada vez maiores. Sua vida nunca mais será suficientemente tranquila e segura sem parecer tediosa.). Era a mão da enfermeira desligando os aparelhos e me dando de presente um balão de oxigênio. Um, apenas. Um mimo até que as agruras do “capetalismo” me mostrassem novamente a boca cheia de dentes querendo morder minha bunda.


Sinceramente, não faço ideia de como dormi naquela noite. Não me lembro. Mas eu tenho certeza de que era a primeira vez em muito tempo que o meu desejo e o meu destino davam-se as mãos.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

REABRI! YEAH!

e NADA melhor que um texto sobre drogras psicotrópicas. Ou não.

Cabelo comprido é o véu natural das mulheres. Pro caralho com os véus. E com as mulheres. Hoje é dia de tomar os remedinhos de receita azul. Já sei.Cortei o cabelo já faz um ano, e tem dias que ainda me sinto uma merda por causa dessa porra toda. Mas não é só isso. Nunca foi. Seria muito bom se o meu questionamento existencial se baseasse no tamanho do meu cabelo. Na verdade, o que o meu cabelo tem a ver com isso?Não sei se isso configura algum desvio moral, mas eu adoraria ter começado o dia com um prozac e uma dose de vodka. Uma não, duas.
Em vez disso, um comprimidinho de frontal, aquele tarja preta camarada que acalma, relaxa e te deixa com cara de idiota o restante do dia. Melhor cara de idiota que assassinar alguém. Será mesmo? O fato é que engoli a rodelinha lilás com o rosto posicionado devidamente atrás do meu computador, para que ninguém presenciasse o crime. É bom que ninguém saiba que eu ainda consumo esse tipo de drogas. Ou então é bom que todo mundo finja que não sabe que eu consumo esse tipo de drogas. Por que eu nego.
Ninguém paga a porra das minhas contas (nem eu). Mas a qualquer oscilação de humor, já vêm jogando na sua cara que você tem problema mental. Que é incapaz de conduzir a fucking crazy da sua vida, e que você vai acabar viciada num hospício. Oxalá, tomara que este dia chegue logo! Tenho mesmo pensado que seria muito mais digno para mim acabar sozinha, isolada e louca. Ninguém por perto. Nenhum risco para a espécie humana, que está “feridinha demais” para suportar meus rompantes. Para suportar qualquer coisa que não seja pasteurizada ou que não esteja no script. Seus amigos não querem um louco por perto. Seus pais não querem um louco por perto. Seus amantes também não querem. Embora eu possa apostar que eles sejam a causa primeira da sua loucura. Pode fazer o teste. Fique louca e seja excluída.
Não importa o quanto você esteja confusa e a sua cabeça latejando ainda por causa desse porre chamado juventude. Não importa essa vontade de deitar a cabeça no colo de alguém e falar sobre os poetas e os mortos. Não importa nada. Aliás, você não tem importância nenhuma pra ninguém.
Vontade de dar um tiro na cabeça. Na própria cabeça. Um impeditivo: não poder ver os miolos jorrando sangue e angústia por todo lado. Melhor não.
Outro frontal e essa coisa toda vai para o espaço. Tanta coisa eu queria que fosse para o espaço... Tanta. Eu juro.
Juro que hoje eu tomava uma anfetamina. Tomava várias. Pagaria qualquer coisa pra me livrar desse peso de ser inoperante. Inoperante no trabalho. Inoperante no amor. Inoperante na vida. Pagava, pode apostar.
Eu pagava pra nunca mais ter que sentir esse fim de mundo dentro de mim. Tomava Rivotril, Fluoxetina, Escitalopram, Sertralina. Tomava tudo com uma vodka. E esperaria. Esperaria a sensação de esquecer. De apagar. De sumir de uma vez por todas, que deve ser muito melhor que sumir aos poucos. Muito melhor que ver sua imagem se apagando lentamente daquela retina.
Hoje eu dormiria profundamente pra não ter que mendigar mais uma dose dessa droga pesada que é o amor.


(Texto inpirado no conto de Márcia Denser, do livro TARJA PRETA. Embora qualquer semelhança com a vida real não seja mera coincidência)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Fichamento n. 6 (OU NIILISMO, PARTE II)


Pais e Filhos, de Ivan Turgueniev.

No começo do semestre passado conheci o Flavio. Lisérgico.
Uma dessas pessoas capazes de falar duzentas milhões de palavras em 10 minutos. Adorei logo de cara.

O fato é que ele estuda literatura russa, mais especificamente o Dostoievski. No nosso primeiro email trocado, percebi que ele assinava como Bazarov...

Curiosa, fui atrás do famigerado personagem.

Daí que, depois de algumas voltas, cheguei ao livro Pais e Filhos, de Ivan Turgueniev.

Um livro bom. Na verdade, uma obra relativamente importante na literatura russa, que popularizou o termo niilismo, aplicado legitimamente ao protagonista Bazárov.

O enredo conta a história de dois jovens amigos (Bazarov e Arcadio), que retornam da capital para visitar suas familias no campo. Além da mocidade, trazem um ar niilista, que nega toda a autoridade e todo o princípio sem exame.

Só que no meio do livro Bazarov, irremediavelmente niilista, se apaixona e coloca em dúvida todo o princípio da negação.

Sem dúvida, uma forma que o próprio Turgueniev encontrou de criticar o niilismo radical.

É... realmente não dá pra negar todas as coisas. Infelizmente existem coisas que nunca nos serão indiferentes.

Por mais que meus pés me levem por este caminho, em algumas pedras eu sei que nunca vou pisar.

Foda 2.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

É O NIILISMO...!

De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não, nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.

A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia,
Apesar de saber
ue quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.

Miguel Torga.


Sei, lá! Às vezes acho que estou tomando uma estrada sem volta. Um caminho que vai me levar irremediavelmente para a abstração completa das coisas e das pessoas.
Não sei se isso é exatamente ser niilista ou coisa assim, mas é como se as coisas perdessem a importância e fossem sendo apagadas, cor por cor, de uma tela.
É tão estranho... É como se de repente o amarelo não fizesse mais parte, entende? Daí, nos primeiros dias, você sente uma falta do cacete do amarelo... Chora um choro doído porque já não pode ver mais nenhum tom de amarelo naquela cena. Fica mudo, sem latim.
Só que, depois de algum tempo, você - que não podia viver sem o amarelo - se acostuma com um mundo sem esta cor. E tudo bem.
Quer dizer, não é assim uma coisa “tudo bem”, sabe? Você fica mais triste, mais calado... mais “desamarelado”..., mas continua seguindo, porque a vida, as coisas e as pessoas são assim mesmo.
E então, quando vc já começa achar normal um mundo sem amarelo, some o azul. E depois o verde. E agora já não sabe se ainda há vermelho ou violeta...
É mais ou menos assim como eu sinto as coisas desaparecerem... Elas não são retiradas de mim abruptamente... Pelo contrário: elas vão indo, um pouco a cada dia, com o meu consentimento e tudo mais. Mas nunca ficam. Elas se vão mesmo. E pra sempre.

E é por isso que eu estou um pouco assustada. Porque eu sinto que não há volta. Não há retorno algum para as coisas que se perdem, o que me faz achar que invariavelmente eu chegarei no processo de abstração total.
Tudo vai se tornar indiferente para mim. A prova é que antes uma palavra que me provocava o choro e a comoção, hoje não significa nada. Sou capaz de repeti-la cem vezes sem sentir uma cócega de emoção. Prefiro, irremediavelmente o sono, que o embate. Prefiro o silêncio que o confronto. Porque também o confronto já me é indiferente. E dizer se torna a mesma coisa que não dizer. E no fim todas as cores estão desaparecendo, ou, pelo menos, estão desaparecidas. E na tela branca fica tudo muito confuso, e já não dá pra saber o que é céu e o que é chão.
E é por isso que eu me lembrei deste poema do Miguel Torga, que fala da dor profunda de se perder um pouco a cada dia...
No meu processo não há dor profunda. Há vazio profundo... e eu acho muito pior, quer saber. Porque quando vc sente uma dor, inevitavelmente há um movimento de reflexo, que o impede de prosseguir, que o impele do perigo... Mas quando não há dor, choro ou desespero, vc nunca sabe qual vai ser o próximo passo... qual a próxima cor que vai sumir...

Então, se isso não é o começo do fim, me digam o que é!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Fichamento n.o 5


A redoma de vidro, de Sylvia Plath

Identificação.
Fiquei meio aterrorizada em como me identifiquei com Esther Greenwood, personagem alter ego de Sylvia Plath, que se suicidou em 1963.

Começando pelo título do livro... A redoma de vidro. Sylvia escolhe este nome para designar um estado de depressão profunda. Bem, eu já estive dentro de uma redoma de vidro, e sei bem como é essa sensação de não ter ar para respirar.

Sei bem como é portar receitinhas azuis no bolso. Sei bem como é ficar presa dentro de si. Um escafandro...

No único romance escrito por Sylvia, a história é basicamente o relato da sua vida até conhecer Tedd Hughes, poeta e marido que a levou docemente para a beira da morte.

Esther é uma moça irremediavelmente entediada pela vida. Com apenas 19 anos sente que já teve algum dia um futuro brilhante, mas que isso não existe mais. (oi? Alguém se identifica aqui?).

Não consegue mais escrever, não consegue comer, não consegue dormir... não tem prazer em nada, acha todo mundo hipócrita, não quer trabalhar, tem medo, angústia, tenta com insucesso se matar, acha tudo uma grande merda, mas consegue continuar existindo no meio dessa patifaria toda... (hahaha. Isso nunca aconteceu comigo, viu?)

Na verdade, Esther Greenwood se tornou minha heroína juvenil super, só perdendo para o Dominc Molise (kkk). Estou convencida de que se não tivesse se matado, Sylvia escreveria outros ótimos romances, como esse.

Pra ser sincera, da poesia eu não gosto muito, não, mas sempre que isso acontece fico me perguntando se a culpa é do autor ou do tradutor.... Questões universais da literatura que me matam, sabe? hehe

Mas voltando ao assunto, este romance é ótimo. Primoroso.

Mas é amedrontador. Mesmo. Um frio na sola do pé, sabe? Como se a qualquer momento o gelo fosse se quebrar. Mas o pior é se reconhecer em cada linha... é saber do potencial destruidor que carregamos dentro de nós. Foda.
Depois de ler o livro, fui ver o filme Paixão além das palavras, com a Gwyneth Patrow. É bom. Razoável. O filme mostra a história de Sylvia após conhecer Tedd.
Então, se vc tiver vontade de conhecer Sylvia Plath, a combinação perfeita é livro + filme, necessariamente nessa mesma ordem.

Sabe, ler determinadas coisas dão uma injeção de ar dentro da redoma. Fato.

Thanks, Sylvia.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Genialidade gera gentileza! Yeah, yeah, yeah!




O gênio toca e sorri. Poderia comandar seus músicos com a mesma mão de ferro habitual de quem já atingiu os “píncaros da glória”. Poderia ser prepotente, mau-humorado e arrogante, afinal esses desvios – nos gênios – são facilmente perdoáveis. Em alguns casos, geram em nós, simples mortais, uma aproximação masoquista, um desejo de ver um deus zangado, no auge da sua fúria (e de sua fama), dando ordens, exigindo cem toalhas brancas e energéticos com a fruta da estação.

Mas este gênio de ontem apenas sorri. Concentra-se em seus movimentos e reproduz com alguma dificuldade suas obras-primas.

Ontem, depois de assistir ao show do Lanny Gordin, fiquei agradecida ao universo por ter me concedido a oportunidade de vê-lo tocar. E eu poderia ficar grata apenas por saber que o monstro está vivo e continua assuntando e mordendo a bunda dessas guitarrinhas chinfrins que a gente escuta todos dos dias no dial.

Mas o que me tocou profundamente foi a sua gentileza para tratar homens e instrumentos musicais.

Ele disse poucas palavras. Pouquíssimas, para a verborragia contemporânea. Acostumados que estamos ao “parlatório infindável”, poderíamos hora ou outra sentir falta de um “agora eu vou tocar essa, que foi gravada por tal pessoa”. Mas o Lanny, esse cara de palavras mínimas, começou a abordagem com um “boa noite, meus amores”, quase no final do show. E esse “boa noite” valeu cada milímetro de expectativa que eu tinha dele. Na verdade, cada milímetro de expectativa que eu ainda deposito em qualquer ser humano.

Depois de tocar em muitos dos discos considerados geniais da MPB, e de ser o preferido de mestres como Rogério Duprat, Lanny não possui nenhum traço de afetação.
O que Lanny Gordin, um dos guitarristas mais geniais da história dessa pátria desimportante, possui são sinais visíveis de seus problemas de saúde relacionados com a esquizofrenia, doença que nunca escondeu de ninguém.

Mas isso é tão pouco perto do que o Lanny se tornou. Isso é tão pouco perto do que as pessoas podem se tornar quando desejam ser honestas consigo e com os outros.
Na verdade, o que eu senti em relação ao show foi exatamente isso: uma honestidade profunda de um homem genial e gentil.

Sem discurso pronto, sem palavras suplicantes, sem tom de pedidos de aprovação, Lanny terminou dizendo: “muito obrigado, meus amores. Tenham uma boa noite, e a vida continua.”

Sim, Lanny, a vida continua. E continua mais bela e mais leve, por sua causa. E eu fiquei mais feliz. Feliz e confiante de que mesmo depois de muitos infernos pessoais a gente consegue sorrir francamente. Mesmo depois do gosto amargo da loucura e da solidão, é possível presentear aos outros com acordes e palavras de mel.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Fichamento n.o 4


A oeste de Roma, de John Fante


Fichamento n.o 4.

A oeste de Roma, de John Fante.


CA RA LE O! Mais um puta livro bom de John Fante...
Meu, sinceramente, porque nos mandam ler José de Alencar na oitava série? Qual é o propósito de nos torturarem com a descrição da porra da pata da gazela?

Não consigo entender porque garotos e garotas de quinze anos não leem histórias inteligentes, capazes de nos dar uma mínima ideia do que é a vida real: bebedeiras, sexo, violência, medo, explosão, momentos de dor e de alegria....

Puts! Ficam enchendo a nossa cara com os famosos clássicos.... Depois, a gente fica nessa puta ressaca de ler. Conheço gente que depois de ler José de Alencar nunca mais tocou num livro. Sério mesmo. E olha que o Zé de Alencar tem até umas coisas legais da fase indianista....

Mas em geral os livrinhos da escola são todos muito limpos, muito leves, sem ferir ninguém (como diz o Belchior...). Um saco, na verdade!

Uma maneira rápida e segura de traumatizar possíveis leitores.

Mas vamos ao livro do Fante. A oeste de Roma é um livro dividido em duas novelas. A primeira, mais longa, e a segunda, um pouco rápida. Ambas com um fôlego fantástico.

Na primeira temos a saga de um pai, escritor meia-boca, que vê seus quatro filhos saírem de casa, amargando suas próprias derrotas pessoais. Na segunda, uma família extremamente católica corrompida pelo espírito sutil do dinheiro e do sexo.

A maravilha, entretanto, está no fato de Fante ser um brilhante narrador. É extremamente inteligente e mordaz. Além de possui um humor que eu nunca vi em nenhum outro escritor.

Resumindo: estou apaixonada! Hehe

E ainda não me chegou às mãos o Pergunte ao pó.... sua obra “mais mais” que eu quero ler de qualquer jeito.

Saco.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

CINEMA ALONE!


PRECIOSA...

Ontem fui ao cinema sozinha. Eu quis ir sozinha.

Sabe aqueles filmes que vc nunca sabe bem o que pode acontecer com vc depois que acabar? Então... eu pensei que seria algo do tipo. Não foi. Foi tudo muito tranqüilo e eu não tive nenhuma reação adversa. A princípio.

Na hora fiquei apenas imaginando se aquilo seria baseado em uma história real, porque era muito sofrimento para uma pessoa e tal. Mas depois, friamente, imaginei que existem muitos tipos de sofrimento e que ninguém pode medir o inferno do outro. Nem pra mais, nem pra menos. E mais depois ainda descobri que a história é baseada no livro Push, da ativista negra Sapphire.

Resumindo a história, Preciosa é uma garota semianalfabeta, aos 16 anos de idade, grávida do segundo filho, ambos frutos da violência sexual cometida pelo pai desde os seus três anos. No filme, fica subentendido também que a própria mãe lhe abusava sexualmente...

É obesa, apanha da mãe, é obrigada a mentir para o serviço social para receber um auxilio financeiro que não vê nenhum centavo. Sua primeira filha tem síndrome de down.
E, pra terminar, seu pai (estuprador) morre e sua mãe ao dar a notícia lhe comunica que ele era portador do vírus HIV. Pouco tempo depois preciosa descobre que também tem o vírus.

Mas apesar dessa história terrível, o filme não a retrata por uma perspectiva triste. Trata-se de uma história de superação, sem a afetação dos filmes de hollywood. Não há excessos. Nem para o mal, nem para o bem. Não há lamentação excessiva, nem exaltação onde não cabe.

È tudo muito sóbrio. Real. Parece um pouco com o personagem Bazarov, do livro que eu estou lendo... Pais e Filhos, de Turgueniev. Mas isso é outra história.

O que me chamou a atenção é que o enredo é composto de maneira tão real que não há espaço para drama, desespero ou qualquer outra coisa. É a vida. Prontoacabou.

Segundo Sapphire, esse sofrimento do livro é baseado na mais pura realidade. Ela recolheu as histórias quando dava aulas no bronx.

Vou ler o livro. Fiquei com vontade... Fiquei pensando também que Sapphire, que está na lista de os 20 livros mais vendidos de Nova York, encontra em Alice Walker (A cor Púrpura) e Toni Morrison (O olho mais azul) antecessoras de peso.

Histórias tristes, mas reais. A vida é real. E a única coisa que temos de fazer é seguir em frente... um passo de cada vez.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

FICHAMENTO N.O 3


O velho e o mar, de Ernest Hemingway



Tô tensa.

É que criticar a Fernanda Takai, literariamente falando, não é a mesma coisa que criticar Ernest Hemingway. Ou é?

Bom, o que eu sei é que eu nunca havia lido nada do lendário escritor da geração perdida. Nadinha.

Então eu fui começar justamente por aquele livro que é considerado a sua obra-prima: O velho e o mar.... (ganhador, inclusive, do prêmio Pulitzer de 1953...)

Daí, vcs podem perceber o por quê da tensão...Simplesmente eu não tenho as melhores coisas a falar um livro que é considerado obra-prima de um autor que é considerado genial.

Mas graças ao grande Nelson Rodrigues eu posso ficar em paz comigo mesma, afinal “Toda unanimidade é burra!”.

Sinceramente: achei médio. Bem médio mesmo. (e agora que caiam as pedras na Geni ...rs)
É claro que ando desconfiando do tradutor, mas a probabilidade maior é a de que eu não gostei porque não gostei, e pronto.

A história é boa. O narrador tb. O ritmo é melhor ainda. É o tipo de livro que você lê com uma espada no pescoço. Dá até falta de ar, vez em quando.

Mas então o que foi que eu não gostei?
Deixa eu explicar isso aqui. O que me fez desgostar do livro não é algo que exista nele, mas é o que deixou de existir... Sério.
Pela mística toda criada em torno do Hemingway, achei que ele poderia ter feito mais. EXPECTATIVA é uma bosta, né?

O enredo conta a história de Santiago, um velho e sábio pescador que passa 84 dias sem pescar nada, até dar de cara com o demônio em forma de peixe. Na verdade, não há qualquer alusão sobre o coisa ruim, mas o peixe de mais de 50 metros de comprimento travará uma luta infernal com o pobre pescador.

Talvez Heimngway quisesse dizer algo de como é o próprio processo de escrever... de como é lutar com um diabo dentro e fora do próprio corpo. Talvez eu comece a entendê-lo melhor...Talvez eu tenha gostado do livro mais do que eu e o meu demônio sabemos... Talvez.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

DIA 10 DE ABRIL DE 2007


Era uma tarde absolutamente normal: preguiçosa e inútil como todas as tardes daquele ano, exceto pela nova perspectiva que se abria ainda timidamente.

Depois de um longo e tenebroso verão, seu orientador dava sinais de que poderia lhe tirar do limbo existencial e de que teria algum prazer em continuar suas pesquisas sobre literatura e música e essas coisas todas que a gente chama arbitrariamente de cultura.

Ao seu lado sentava Paulinho, amigo de trabalho e confidente. Entre assuntos futebolísticos e lampejos de maldade vespertinos, pairava um silêncio na sala. Era apenas nesse instante em que Luiza e Paulinho se afastavam mundos de distância para alimentar suas necessidades “internetísticas”.

Luiza vivia um momento especialmente bom. Aquela coisa toda de autoconhecimento, fome de informação, intimidades com os amigos, ampliando o círculo de pessoas realmente interessantes, disposição para viver...

Além disso, começavam os primeiros questionamentos que a libertariam de uma doce prisão.

Apesar do caos interior, Luiza estava tranqüila, certa de que resolveria aquilo ainda nos vinte e poucos anos.

Entre uma passadela e outra pela rede, achou algumas coisas relacionadas com a pesquisa. Na verdade, estava mesmo empenhada em levar aquilo adiante. Era um dos universos que se abriam para ela, e havia qualquer coisa de excitante que não a deixava em paz. Queria saber, queria ouvir, queria conhecer... Queria comer com garfo e faca.

Era um bate-papo com algumas pessoas que já tinham chegado muito antes que ela. Oh, minha Nossa Senhora da pesquisa atrasada, será que eu tenho pique de sair do centro da necrópole e ir assistir um bate-papo, desses que a gente não pode falar nadinha, porque só quem conversa é quem já chegou na casa 8 da estradinha?

Por uma trama mal feita do destino, enquanto Luiza pensava em “ser ou não ser, eis a questão”, recebe uma ligação que pode ter mudado todo o resto da sua vida:

- E aí, sua louca, tudo bem?
- Ah, tirando o ruim, o resto tá bom, né?
- Então, vamos num show do Zeca Baleiro?
- Quando, Rê?
- Semana que vem .... mas tem que ir comprar o ingresso hoje.
- Ah, sério mesmo? È que eu tenho um bate-papo pra ir... sobre a minha pesquisa... Aquela lá do Itamar, te falei?
- Quem é Itamar?
- Ah, deixa pra lá...
- Que horas é seu bate-papo? É rapidinho... a gente compra ali no Sesc Vila Mariana mesmo.

Caralho. O pseudo bate-papo era justamente no Sesc Vila Mariana.
Depois disso não houve mais resistência da parte “preguiçal”, afinal de contas sinais eram sinais, e estava muito claro que o universo queria que Luiza parasse de enrolar e tirasse definitivamente sua bunda gorda da cadeira e começasse a escrever alguma coisa que prestasse sobre seu objeto de pesquisa.

O que Luiza não sabia era que estava prestes a conhecer um outro objeto. Muito mais fálico e muito mais fatal.

“17h, e eu começo a ser feliz. 17h15, I want to be free. 17h30: hora de cair fora, respeitando o fuso horário. Merda, sou proletário”.

Antes de encontrar Renanda, Luiza passou pelas mesmas vitrines cotidianas, olhando tudo com os sentimentos de sempre: ora desdém, ora desejo acompanhado de um sacode “vc não pode comprar isso agora”.
Mesmo assim não resistiu e entrou numa lojinha de sapatos, onde havia escrito em letras garrafais a palavra mais milagrosa que ela conhecia: L I Q U I D A Ç Ã O!

Eliana, sua chefe e incentivadora de consumo, estava bem ali, dando o maior apoio para a compra de um tênis all star laranja fosforescente.

Como já estava atrasada, comprou o tênis e pagou. Um minuto depois se arrependeu: “onde é que eu vou usar este tênis, minha nossa senhora das compras desperdiçadas?”

Bem, se o problema era esse, resolveu resolver ali mesmo: tirou o tênis gasto e calçou o laranjão que, sendo novo, era ainda mais laranja e brilhante e fosforescente.

Assim que saiu da loja, sentiu o mundo olhando para seus pés. Mas, e daí? Luiza não era menina de obviedades... Nunca fora.

Entrou no metrô, e só foi lembrar de que estava com uma laranja incandescente nos pés quando encontrou Renanda:

- Meu Deus, como vc tá moderninha!
- Ô! Você nem sabe como...

Compraram o ingresso e Luiza ainda insistiu:

- Rê, vamos à palestra comigo.
- Não dá, amiga. Tô com fome e nem sei quem é esse tal aí da sua pesquisa... mas boa sorte. E não se esqueça de que semana que vem vamos o Baleiro.

Entrou na sala de bate-papo. “Nossa, tudo isso de gente conhece o Itamar? Meu Deus, eu devo ser uma ignorante mesmo. Em que país do axé eu estava todos esses anos?”
Na verdade não tinha muitas pessoas, mas Luiza que sempre achara que tinha bom gosto musical nunca tinha ouvido falar de Itamar até a alguns meses... como tanta gente assim sabia dele? É... realmente eram universos novos que se abriam.

De repente, ao lado, um desses monitores do Sesc. Lindo. Lindinho, na verdade.
“Puts, hoje era dia de eu querer usar um tênis laranja fosforescente?”.
Sentiu vergonha e tentou encolher o pé.... mas percebeu que não dava pra se esconder um pé número 39 assim impunemente.

Começa o bate-papo. Exatamente como ela previra, com algumas variações. O assunto era legal. As informações pipocando na caderneta. Entre uma fala e outra, pausa para uma olhadela no lindinho do Sesc. “Meu Deus, vou trocar de tênis. Mas e se ele já reparou este laranjão? Vai achar que eu não tenho personalidade...”

De repente, uma fala mais eloqüente. Um cabeludo no palco. Escritor. Um livro que tinha muito a ver com tudo o que Luiza queria saber. Mais eloqüência... uma força pessoal impressionante. Esqueceu o lindinho do Sesc. Concentrou-se no Cabeludo.

Ao final da conversa, Luiza queria comprar o livro, mas lembrou-se de que era pobre e não tinha assim R$ 50,00 na carteira para uma eventualidade. Eventualidades de Luiza se resumiam a esquecer o bilhete único em casa... e então levava sempre consigo 10 dinheiros, o que era o suficiente.
Por um instante, lembrou-se de uma expressão de um amigo do mundo gay: será que ele aceita cu? Não, não poderia propor o cu. Pelo menos, não logo de cara.

- Será que eu poderia pegar seu contato? É que eu gostei muito do livro, mas não tenho dinheiro agora.?
- Claro, anota aí.

Passou email. Telefones. E uma senha para o céu e o inferno.

Naquele instante, Luiza nem podia imaginar o tudo que viria pela frente. Na verdade, Luiza não podia imaginar nada. Estava tomada por aquele sentimento que imbecializa as mulheres. Só uma coisa ficou em sua cabeça pelos anos seguintes: “Será que ele percebeu o meu tênis laranja?”

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

FICHAMENTO n.o 2



1933 foi um ano ruim, de John Fante

Esqueçam todos os heróis de livros adolescentes: Holden Caulfield, Rusty James, o Motoqueiro, Ponyboy.... ninguém chega aos pés de Dominic Molise, de 1933 foi um ano ruim, de John Fante.

Caramba, que livro engraçado! Eu me diverti deveras andando de uma linha a outra do metrô. Em alguns momentos, eu até gargalhei (loucamente, na frente daquelas caras plácidas que andam por aí no transporte publico de são Paulo).

Mas deixa eu explicar isso direito: não é uma história engraçada, não é nada leve... Pelo contrário: é mais um livro que traz o desespero da flor da nossa juventude aos 18 anos. Mas John fante é primoroso; este sim primoroso.

Pra falar a verdade, o cara é brilhante. É aquela coisa que você lê e dá uma puta inveja de não ter sido você o escritor, manja?

E isto porque eu ainda não li o seu Pergunte ao pó, cujo personagem é Arturo Bandini, um outro jovem arruinado que sonha em ser escritor (oi? Qualquer semelhança é mera coincidência!)

A história é basicamente isso: um garoto pobre, filho de imigrantes italianos, em plena recessão, que sonha em ser jogador de basebol. Seu pai, no entanto, quer que ele se torne pedreiro, como ele.

No meio da trama, deliciosos “diálogos” de Dominic consigo mesmo, num exercício de pensamento livre fodido. Resumindo: MUITO BOM.

Agora, quero ler Pergunte ao pó. E bem rápido. Sem procrastinar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Minha vida num delay!


Delay: o termo técnico usado para designar o efeito retardo de sinais em circuitos eletrônicos; geralmente o atraso de som nas transmissões via satélite.

Sabe quando vc tá vendo aquela repórter bonitona falando na TV e tem a sensação de que o som tá chegando depois? A boca fica estranhamente se mexendo e você não consegue sincronizar seus movimentos com aquilo que você ouve... Pois bem, isso é o delay no mundo da imagem e do som.

No mundo da minha vida, o delay tem a ver com uma outra palavrinha....

P R O C R A S T I N A Ç Ã O!

Que eu sempre fui a “ah, deixa que eu faço depois”, isso é verdade. Mas as coisas começaram a piorar consideravelmente de uns anos para cá.

Na verdade, as coisas degringolaram de vez quando eu finalmente entrei na vida adulta, coisa que eu procrastinei bastante, por sinal.

Com quinze ano eu já era a mestre guardiã da frase: “por que fazer hoje aquilo que eu posso fazer amanhã?”. Com 18, aperfeiçoei meu repertório: “por que fazer amanhã aquilo que eu não vou fazer nunca?”. Aos 26, cheguei à perfeição: “por que fazer?”.

Com muito esforço, consegui fazer essas coisas que todo mundo faz sem saber por quê: fiz faculdade, arrumei emprego decente, tô até fazendo pós-graduação... mas todo o resto da minha vida se instalou no caos.

A sensação que eu tenho é que eu to num eterno delay, resolvendo coisas atrasadas que não terminam nunca. Só que a vida não para e enquanto eu resolvo o que já deveria tá resolvido, outras coisas vão acontecendo. No final, nada está sincronizado e a simples tarefa de viver se transforma numa arrastar de correntes.

Achei uma explicação bem interessante sobre procrastinação:

“... Isso realmente acaba se tornando um problema sério, e é difícil sair dele. E o que piora o problema é quando sempre tudo acaba dando certo. Procrastinar é uma arte; para se tornar mestre dela, basta se tornar mestre na habilidade de saber exatamente o ponto exato onde se deve parar de procrastinar para fazer o que você tem que fazer, de forma que consiga fazer.
Se você procrastina demais e acaba se ferrando por causa disso, você aprende a lição e acaba parando de procrastinar. Se você procrastina de menos, bom, então você não tem um problema.

Agora, se você procrastina o tanto exato, você estará preso para sempre. Você sempre irá maximizar a procrastinação. Você vai ficar vendo filmes o dia inteiro para de noite estudar o tanto exato, nas últimas horas exatas, para passar na matéria. Você vai ficar lendo notícias o dia inteiro para na última hora do expediente fazer aquela coisa pendente e terminar no momento exato em que seu chefe perguntar se ela está pronta.
Você se torna um mestre na arte da procrastinação quando perceber que, se tivesse começado aquelas coisas que você adiou tanto apenas 5 minutos mais tarde, teria se ferrado monumentalmente.
Agora, para as demais pessoas, isso pode parecer uma coisa boa. O que pode ser melhor do que demorar o tempo exato para fazer as coisas, mesmo que de última hora?
O grande problema é que procrastinadores sofrem de culpa. MUITA CULPA.

Enquanto procrastinam, eles não conseguem fazer outras coisas produtivas, úteis ou divertidas. Eles ficam checando e-mails. Lendo feeds. Vagando no Orkut. Ou seja: procrastinadores são as pessoas que administram seu tempo da pior forma possível.
E é duro sair disso. É quase um vício. Você sabe que aquilo é irracional, sabe que não faz sentido, mas você não consegue parar.”

E daí tudo vira delay. Tudo no tempo errado.


E correr atrás do prejuízo é fodaaaaaa! Cansa pra burro, e chega uma hora que vc desiste. Eu já tentei por minha vida em dia duzentas vezes. Só que o delay é fogo!


Retomar a consciência que vc precisa para resolver um problema que este já aconteceu há seis meses é muito mais difícil do que estar desperto e consciente para resolver no momento em que se pode. Não sei por que eu ainda não consegui entender isso. Ou melhor: não sei por que estou procrastinando essa mudança de atitude?

Mas este post é para dizer que eu vou tentar mais uma vez. Mais uma vez eu vou parar de procrastinar. Ou tentar de parar. Mais uma vez. Só mais uma. Amanhã.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

FICHAMENTO No. UM


Nunca subestime o poder de uma mulherzinha, de Fernanda Takai.

Literariamente falando, estreei meu ano com o livro de contos e crônicas da Fernanda Takai, vocalista e musicista do Pato Fu.

Ok, eu gosto de Pato Fu. Ok, eu gosto da Fernanda Takai. Mas do livro eu não gostei muito, não. E não foi porque a Fernanda escreve mal ou nada disso. É que é um relato quase que confessional, com passagens autobiográficas... Foge muito do que eu espero para um livro de contos... Para crônicas, até tudo bem... mas mesmo assim não é primoroso.

Mas a Fernanda Takai, idealizada nos meus sonhos, nem precisaria escrever nada primoroso para eu continuar gostando dela, e continuar gostando das músicas dela.

Só que... durante a leitura eu descobri que a Fernanda Takai idealizada por mim é mais legal que a verdadeira. Ou pelo menos é mais legal que a narradora do livro (no caso de tudo não passar de uma forma de “se outrar”)

Tá, eu não vou ficar falando mal de alguém que eu nem conheço pessoalmente, mas eu tenho massa encefálica e penso: logo existo! E no meu humilde existir eu acho chato pessoas super organizadas e perfeccionistas, que não gostam de futebol e que reclamam de quem bebe cerveja. Acho chato mesmo. Prontofalei.

Mesmo assim, para uma tarde de preguiça, o livro reserva alguns “contos” e algumas crônicas legais...

A que eu mais gostei é a que leva o mesmo nome do livro e fala da Fernanda lendo um livro da Clarice Lispector, sob outro pseudônimo, escrevendo coisas de mulherzinha para mulherzinhas.

Isso eu achei bem legal. Primeiro porque até a Clarice tinha seu lado mulherzinha e até a Fernanda Takai gosta de ler coisas de mulherzinha. UFA, eu tô salva!

Fui atrás de informações sobre o livro, que se chama Só para mulheres, e descobri que a Clarice escrevia sob três pseudônimos para três jornais diferentes (o livro reúne textos escritos para colunas jornalísticas): Tereza Quadros no Jornal Comício, Helen Palmer no Correio da Manhã e Ilka Soares no Diário da Noite. São questões relacionadas a beleza, amor, maternidade e vida doméstica... Vejam vcs mesmo um trecho:

“Sejam vocês mesmas! Estudem cuidadosamente o que há de positivo ou negativo na sua pessoa e tirem partido disso. A mulher inteligente tira partido até dos pontos negativos. Uma boca demasiadamente rasgada, uns olhos pequenos, um nariz não muito correto podem servir para marcar o seu tipo e torná-lo mais atraente.Desde que seja seu mesmo.” (Helen Palmer)


É, no fundo, no fundo, mulher é mulher. E vice e versa.

Portanto, NUNCA SUBSTIME UMA MULHERZINHA....


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

TEM ALGUÉM EM CASA?


- Toc, toc, toc!
(silêncio)
- Ei, tem alguém aí?
(silêncio)
- Tem alguém am casa?

Vamos combinar que é um saco ir visitar uma pessoa e não encontrar ninguém em casa. Evidentemente que com todas as masters tecnologias de hoje isso acontece pouco. Isso porque o fator surpresa foi definitivamente limado de nossas vidas. Ninguém levanta sua bunda gorda da poltrona e atravessa a cidade sem antes dar uma ligadinha, mandar uma mensagenzinha... NO SURPRISES.

Mas até aí, tudo bem, né, porque ninguém gosta de perder tempo, nem de ficar com cara de concha. Mas por que eu to falando disso?

Porque eu tava lendo um texto Budista sobre passagem de Ano e tals (ainda na tentativa de “entrar no clima”) e achei nas minhas coisas uma reflexão muito interessante. Na verdade, eu já tinha lido e relido este texto algumas vezes, mas me lembrei de que ele era baseado numa palestra proferida justamente numa virada de ano.

E me lembrei também de uma coisa muito legal. O começo do texto diz assim: Quando você vai a uma casa e você quer encontrar alguém nela, você pergunta, “há alguém em casa?”. E se alguém diz “sim”, então você ficará feliz. Você não quer ir a uma casa onde não tem ninguém. Muito frequentemente nós não estamos em casa. Estamos perdidos em nossos pensamentos, nossas preocupações, nossos projetos, nossa ansiedade, nosso medo. Nós estamos completamente perdidos. Não estamos lá para ficarmos a par do que está acontecendo.

Puts, toda vez que leio este texto fico impactada como a primeira. Quantas vezes eu não estou em casa? Quantas vezes tudo o que eu sou não passa de um simulacro social ou uma holografia? Quantas vezes eu estou falando com o “chuck”, em vez de alguém? Quantas vezes eu estou falando com um copo de original?

Isso realmente me bota louca, mas como diria Andersen, é a mais pura verdade. Na maioria esmagadora das conversas e diálogos, alguém não está em casa.
A maior parte do ano, não estamos em casa. A maior parte da vida, não estamos em casa. Que merda!

Mas o texto, que é super bacaninha, dá alguns toques sobre o que fazer – segundo a filosofia budista: fazer o que for preciso para ficar presente no aqui e no agora, pois muitas vezes o nosso corpo está aqui, mas nossa mente está em outro lugar.
(...)
A prática oferecida a nós pelo Buda não é estar no piloto automático, mas a prática da consciência, da vida consciente.
(...)
O Buda é alguém feito de plena consciência, concentração, e insight. Plena consciência, concentração, e insight te trazem liberdade. A prática da plena consciência o ajuda a viver sua vida. Plena consciência nos permite reconhecer os pensamentos negativos e tocar as coisas positivas. Temos de produzir outros pensamentos que sejam dignos de um praticante. Um tipo de pensamento que traga felicidade. Você não é uma vítima de seu pensamento.
(...) O maior sucesso, o mais significativo tipo de sucesso é a liberdade. Nós temos que lutar por nossa liberdade. E não é indo para algum lugar, ou para o futuro, que temos liberdade; é exatamente no aqui e agora. O modo de começar é ficar presente, ficar vivo, ser você mesmo em todos os momentos.


Então é isso. Estou indo de volta pra casa.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

ENTRE OS DENTES...

Aprendi com a Primavera a me deixar cortar e voltar sempre inteira.
Cecília Meireles

É Ano Novo e eu deveria fazer algum post falando dessas coisas de expectativas e tal. Pelo menos é o que 90% das pessoas estão fazendo agora... Mas, pra falar a verdade, eu ainda não amadureci meus desejos para este ano. Tô num mix de “faxinão” e “bode eterno”. Faxina de tudo que precisa ir para a lata do meu lixo sentimental e bode de todo o “mais do mesmo” da minha vida.
Ainda não tô vendo saídas muito nítidas no quesito “vou resolver as coisas”, e isso me desestimula um pouco na tarefa de fazer planos. Tá tudo muito nebuloso...

Além disso, ter vinte e poucos, muitas neuroses e pouco dinheiro têm me enlouquecido levemente nos últimos tempos.

Mas, na real, a pior loucura que eu tenho enfrentado é a falta de disposição. A pior parte tem sido encontrar um sentido em coisas que eu já não acredito mais. Isso é foda. Pode entrar 2010, 2011, 2050 que não vai ter jeito. Eu já sei o que eu preciso fazer. Só preciso renovar essa energia pra ter coragem.

Agora, neste exato minuto, lembrei-me de uma música dessas fodidas que entram na gente como uma faca, cortando carne, músculos e ossos.

É um poema belíssimo de João Apolinário, musicado pelo filho João Ricardo, e gravado em 1973 pelos Secos e Molhados. Interpretada divinamente por Ney Matogrosso. Ouvir essa música e não morrer é impossível. Já ouvi uma 853 vezes, e morri em todas. Dói pra caramba, mas é redentor.

Acho que todo começo de ano é um pouco assim pra mim... Eu tenho que morrer um pouco pra renascer com algum vigor.

E como diria meu velho amigo César Polvilho, ESCUTA, VAGABUNDO!
(Vai a letrinha de lambuja)

http://www.youtube.com/watch?v=oIbled8a3lY&feature=related


Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera.

sábado, 2 de janeiro de 2010

MEDO?

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.

Temer o amor é temer a vida e os que temem a vida já estão meio mortos.



Eu sempre fui medrosa de profissão. Os medos mais absurdos me acompanharam durante toda a minha vida. O primeiro de todos, que eu me lembro com bastante clareza, era desses que vêm de fora para dentro: uma flor.


Eu tinha tanto medo daquela flor que preferia gastar minhas lindas perninhas dando uma volta gigante no quarteirão a ter de passar embaixo daquela árvore. Agora me perguntem: de que raios veio um medo tão forte de uma coisa tão inofensiva? Não sei.
Talvez do mesmo lugar em que saiu meu medo de borboleta. Put a keep a real! Eu morria de medo de borboletas... E esse medo logo cresceu e se transformou em medo de tudo o que voa. Infernal!


Nessa mesma época, apareceu um medo de outro tipo, aquele que é de dentro pra fora: eu comecei a ficar com um medo enorme da minha mãe me esquecer na escola e nunca mais ir me buscar. Quando ia dando o horário da saída, meu coração apertava dentro do peitinho da garota de cinco anos. Escrevendo isso, penso comoo deveria ser hilário para as “tias” observarem as carinhas apreensivas das crianças esperando pelas suas mamas. Mas um dia minha mãe me esqueceu mesmo. Não, na verdade ela não me esqueceu, mas demorou tanto que eu acreditei que nunca mais eu ia vê-la. Daí, as coisas ficaram piores, muito piores. Todos os dias, antes de entrar na escolinha, eu já pensava como seria a hora da saída. O dia inteiro eu ficava com pensamentos mórbidos em relação àquilo tudo. Pensava insistentemente que ia acontecer aquilo novamente. HORRIVEL. À noite, o medo era outro: o de meu pai não chegar em casa. Apavorava só de pensar que alguma coisa poderia acontecer com ele. Enquanto ele não virava a esquina da rua da minha casa, meu coração continuava aflito. Em resumo, eu entrava na escola às 12h e saía às 17h. Cinco horas de medo. Depois, chegava em casa às 17h30 / 18h e esperava meu pai chegar até as 20h. Mais duas horas de medo. Mais resumido ainda: eu morria de medo de tudo.

E eu fui crescendo e meus medos também. Algumas coisas perderam o efeito aterrorizante, mas o tempo e o mundo trataram de colocar outras maiores em seus lugares. Medo de doença, medo de desagradar, medo de machucar, medo de desapontar, medo de inferno, medo da solidão, medo de ficar feia e nunca melhorar a cara de adolescente, medo, medo, medo...

Hoje eu tenho a convicção de que muitos dos medos estiveram / estão relacionados com a culpa, um outro tiro que eu levei no coração quando eu nasci. Mas isso é um assunto muito mais complexo, psicanaliticamente falando.

Mas o problema é que sendo eu uma medrosa acabei tomando raiva de outras pessoas medrosas. Não aquela raiva que faz odiar... Mas uma raiva de querer chacoalhar o sujeito, sabe?

Caralho, a gente só tem UMA VIDA. Uma, porra!!!! Qual é a dificuldade de entender isso? Qual é a parte que a gente não entendeu ainda?
Como diz a canção de um poeta louco aí, “o medo é uma droga pesada”; talvez a mais pesada de todas. E eu tô ficando com um bode de pessoas que se escondem atrás de velhas ideologias e que se prendem a coisas que não existem mais. Eu tô ficando com vontade de sumir, de nunca mais ter de me olhar, de ver a minha imagem refletida, nos olhos de quem tem medo de mudar... Tô ficando puta com quem tem medo de mim; medo de saber que eu posso ser uma coisa boa. É injusto, eu sei. Eu continuo com medo também. Mas é o que eu sinto... é como se eu esperasse que as pessoas fossem mais fortes que eu.... Apesar de que hoje eu sei que coragem não é nunca sentir medo.... coragem é fazer o que precisa ser feito apesar do medo. E eu faço.

Puts, mas que papinho furado, hein? Tá chovendo lá fora... E eu perdi o meu medo da chuva!

Vou encontrar a Lia, a outra Miss Lexotan, criada à minha imagem e semelhança.

Tchau.
Legenda: A primeira foto é do famoso quadro do Munch, conhecido como O grito. Mas na real, o nome verdadeiro dessa obra é O despero, e ela teve uma versão anterior a essa (que eu coloco na segunda foto). Munch viveu cheio de medo, desde criança, como eu. Acho mesmo que o melhor nome para o seu quadro é O desespero. Dizem que a primeira vez que esse quadro foi exposto foi numa exposição intitulada O AMOR. O quadro retrataria uma das fases desse sentimento , que vai desde o encanto inicial até o DESESPERO. Acho que ele entendeu tudo.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

...




E vejam o que é a tecnologia...

No Japão já é Ano Novo.

O SURTO NÃO ME SURTA


Era quase três da tarde. O cheiro do café redentor e da gordura que impregna nas roupas nos sefs-services da vida pontualmente ao meio-dia estavam por toda a parte. E a minha mão começou a suar frio.
Eu olhei para tela do computador e as letrinhas, filhas-da-puta, começaram a dançar uma milonga. Ok, hora de fumar um cigarro.

Levantei da cadeira, desci e fui chupar meu pirulitinho de câncer, como dizia Rust James, irmão do Motoqueiro, em Rumble Fish, livro da Susan E. Hinton.

Cinco minutos angustiantes e a fumaça, que normalmente desce tranqüila pela via-resPIRATÓRIA, se alojou em algum lugar entre minha blusa e minha consciência.

Assim que pisei no quarto andar, tudo escureceu.


- Sheyla, minhas mãos estão dormentes.
- O que vc tá sentindo?
- Minha circulação parou.
- É claro que a sua circulação não parou.
- Parou sim. Não to conseguindo sentir minhas pernas. Nem meus braços. Nem minha boca e nem minha língua. Não to conseguindo falar. Eu vu morrer.

Pronto. Depois disso começou o surto. Sensação de morte. E morte com uma boca enorme, cheia de dentes querendo morder minha bunda. Gritos. Gritei com as enfermeiras; elas achavam que eu não tinha nada. CA RA LHO! Eu tava morrendo e elas placidamente me diziam que as coisas estavam bem?!

Remédio na veia. Sensação de melhora. Sheyla andando comigo. Eu, sentada em uma cadeira de rodas:

- A última vez que carreguei alguém na cadeira de rodas, essa pessoa morreu um mês depois
- Obrigada, assim eu fico mais tranqüila.

Realmente, um tanto de tempo antes Sheyla havia enterrado um tio, e o probrezinho houvera de ter passado pela mesma experiência que eu: ser conduzido por alguém tão... tão... tão Sheyla.

Hora de tomar outra medicação. A suadeira recomeçava. Novamente não sentia meus membros. Mais gritos. Sensação de morte amplificada. Morte em mil megatons.

Depois de um tempo, melhorei. Sérgio foi me buscar no hospital. Não queria aparecer em casa daquele jeito, e ele me levou para dar uma volta na casa de amigos. No caminho passei mal. Muito mal. Mas estava resistindo à idéia de ter de voltar para o hospital. Cheguei à casa de Luiza e Tércio ainda com aquela cara de “sim, eu to ficando louca”.

Aos poucos, fui me distraindo... conversando... Até bebi uma taça de vinho. Porque louca eu sempre fui e vinho é vinho; não se dispensa e pronto. Mas meia hora depois... TUDO OUTRA VEZ. A diferença é que eu não tava dentro de um hospital e isso piorou consideravelmente a minha convicção de que eu a morrer.
Gritos. Choro. Calor. Tudo ao mesmo tempo agora.
Dessa vez, Sérgio me acalmou. Me botou dentro do chuveiro, com roupa e tudo. E me fez respirar calmamente. Melhorei sem ter de ir ao hospital. Pelo menos não fui imediatamente. Depois de sair da casa de Luiza e Tércio, resolvemos passar no Pronto Socorro, mas estava tão cheio que desistimos.

No dia seguinte, estava me sentindo melhor, psicologicamente falando. Mas o cansaço físico era imenso. Praticamente não tinha forças para levantar. Uma coisa assustadora que começa mais ou menos assim: ansiedade lá no topo da cabeça, mil pensamentos inconclusivos e medo exorbitante. Daí uma onda imensa de adrenalina invade seu corpitcho e, ao menos que vc dance uma salsa ou corra uns 20 minutos sem parar dentro do seu departamento, essa coisa toda bota seu sistema em colapso. E vc tem uma crise conhecida celebremente como Síndrome do Pânico. Se você ainda não teve: não se preocupe, se tudo continuar como está, logo, logo você terá a sua.
Legenda: Mickey Rourke, no papel de O Motoqueiro, no belo filme de Coppola, Rumble Fish (em português, O Selvagem da motocicleta). Eles não sabem o que fazer, não sabem qual é o papel que têm que desempenhar na sociedade. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

THE BEGINS

“Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, e o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfiel, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso..."



Bem, este é o começo do famoso livro do Sallinger, mas serve igualmente para o começo deste blog. Mas talvez vocês também não estejam com vontade de saber nada disso. O fato é que deveriam no mínimo querer saber de como eu me tornei uma Miss Lexotan; saber sobre como eu me tornei uma garotinha-enxaqueca de profissão.

Primeiro de tudo: eu já tive um futuro brilhante. Pena que ele passou por mim e eu nem me dei conta. Rá.

Segundo de tudo: eu já fui mais inteligente, mais dedicada, mais estudiosa, mais bem humorada e.... mais magra.

Não sei se tudo começou a ruir por conta dos ponteiros da balança em ascensão, e meu lado pseudo-intelectual nunca admitiria isso, mas um fato há de ser considerado: as coisas estão piorando depois que meu manequim atingiu a incrível marca dos 46.

Mas pera aí, as coisas não começaram assim. Eu nasci em São Paulo, essa cidade onde as pessoas caminham sem fazer distinção entre rostos de gente, manequins e cachorros.

Vulgarmente falando, graças ao meu pai, que teve a coragem de gozar dentro, e à minha mãe que liberou o mosh, cá estou. Vinte e seis anos depois. Prestes a entrar no retorno de Saturno.

Tá, tudo bem, ainda falta um ano e meio, mas eu sou ansiosa e já comecei a sentir a influência dos astros neste corpo que transita entre a Era de Aquário e a 25 de março com a mesma desenvoltura. Aliás, a ansiedade é uma das coisas que me fizeram literalmente surtar, mas isso vocês não vão querer saber agora, antes do começo do fim. Ou vão?


Legenda: Holden Caulfield, personagem do livro O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO, do Sallinger. Na verdade, acho o Holden meio bobão e tal. Talvez se eu tivesse lido o livro com 13 ou 14 anos eu gostasse mais da figura. Mas o fato é que eu não posso deixar de me solidarizar com a certeza aterrorizante de que certas coisas na vida são UM SACO